MATCHBOX
Complete text and short film in English available here.
Como uma das finalistas de um concurso de beleza, minha avó materna, Maria Eulina Vieira dos Santos, seria premiada com sua foto estampada em caixas de fósforo. Noiva aos 15 anos, seu futuro marido não aprovou tal prêmio. Ela terminou o noivado no dia 13 de maio clamando sua liberdade e exclamando: “Neste dia a escravidão foi abolida” - referenciando a ingênua perspectiva histórica de que a assinatura de uma lei em 13 de maio de 1888 libertava populações de escravizados no Brasil da sistêmica expectativa e imposição de submissão, inferioridade e servitude.
Neste ritual fotográfico uso como fonte o texto original publicado em 1922 pela revista Era Nova promovendo um concurso de beleza. Reproduzo o vocabulário utilizado para descrever as mulheres da elite do estado da Paraíba premiadas no evento. Estas palavras são datilografadas e inseridas individualmente em caixas de fósforos que figuram minha avó materna, uma das participantes do concurso.
Fósforos são continuamente acesos na tentativa de iluminar as atribuições de tom colonial usadas para descrever minha ancestral branca. A chama revela as palavras que repousam em cada caixa expondo a distorcida representação de branquitude como padrão de beleza e superioridade.
A cega superioridade branca que permeia as palavras descrevendo a matriarca de minha família são pronunciadas em voz alta e iluminadas pela chama. Cada um dos fósforo é subsequentemente apagado para representar a minha intenção de extinguir e não mais perpetuar narrativas coloniais que permeiam a minha história de família passada e presente, intra e transgeracionalmente.
Neste trabalho - parte pesquisa histórica, parte imaginário - confronto o direito de uma mulher branca em comparar sua falta de autonomia com aquela de um corpo escravizado. A subjugação da mulher prevalencente em uma sociedade patriarcal é mero pano de fundo para expor o quão inapropriado é o ato de comparar a submissão de uma mulher branca com a sistemática opressão, tortura e apropriação de seres humanos. Especialmente sendo esta mulher membro de uma família que beneficiou-se do trabalho de escravizados no século XIX, como operantes de engenhos de cana-de-açúcar no Brasil - a última nação ocidental à proclamar a abolição.
Criei réplicas imaginárias das caixas de fósforo estampadas com a fotografia premiada no concurso de beleza. A foto originalmente publicada é reproduzida e cada uma das caixas de fósforo é duplicada em negativo. Uma tentativa de representar visualmente o quão errônea é esta apropriação de negritude por uma mulher branca. Ao ser transmitida de geração a geração, a propagação contínua desta narrativa se deteriora pela sua inveracidade, assim como a reprodução mecânica contínua de uma imagem, e os vestígios que ficaram são opressões incompatíveis e incomparáveis.
Deterioração é parte intrínseca deste trabalho já que a imagem idealizada de mulher é tão inatingível quanto é inaceitável, assim como o padrão de beleza ostentado e imposto por uma elite que insiste em sustentar a raça branca como “representantes da humanidade”.
“A branquitude repousa sobre uma premissa fundamental: a definição dos brancos como a norma ou padrão para o ser humano e as pessoas de cor como um desvio dessa norma.”
- Robin Diangelo, White Fragility (2017)
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Em Novembro 2023 MATCHBOX está sendo exibido em uma exposição coletiva na Coréa do Sul no Czong Institute for Contemporary Art - CICA
AMERI_CANA
Matchbox faz parte de uma série de trabalhos chamado AMERI_CANA é série de trabalhos em que exploro espaços entre mito e realidade, contos e memória, história e fábulas. Nestes casos de família, o inacabado traçado da diáspora de inúmeras gerações deixam lacunas que acolhem a imaginação e fantasias de identidade, enquanto documentos históricos eliminam qualquer minimização de nossos ancestrais papéis coloniais - do nordeste do Brasil ao nordeste Estado Unidense - da cana à um sonho de América do Norte. O curta-metragem Matchbox é um desses capítulos.
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