O seguinte trabalho pode gerar gatilhos emocionais, pois discute racismo sistêmico, o privilégio branco e escravização. Por favor, considere o seu bem-estar ao acessá-lo.


 

Página(s) Manchada(s)

Um homen negro aparece em duas fotografias dos arquivos de minha família. Me disseram que seu nome era Capitulino. Depois de pesquisar arquivos oficiais localizei um único documento sobre ele: seu atestado de óbito. 

Este documento revela que em 1949, Capitulino foi enterrado por membros de minha família na cidade do Rio de Janeiro com a idade avançada e inimaginável de 115 anos de idade.

Apresento nesta instalação as duas fotografias que existem deste homem em meu arquivo de família. A combinação das fotografias cria uma desconstrução da unidade familiar expondo discursos impronunciáveis que eram contados pelos membros da família: em um momento diziam que tomaram conta de Capitulino até o final de sua vida, e no outro, que ele foi escravizado por eles.

As imagens fragmentadas combinadas com trechos existentes no atestado de óbito representam o mecanismo de compartimentalização utilizado ao longo da história. Fatos são convenientemente ignorados e entrelaçados entre partes desconhecidas da história, estórias idealizadas e partes factuais para a construção de uma lenda sobre a família.

 

Instalation approximately 11 feet x 4.5 feet: 28 Archival Pigment prints. 13x19 inches each.

 

O atestado de óbito revela o nome completo deste homem: Capitulino Vieira dos Santos. Ele portanto carregou o sobrenome de minha família. Registros históricos comprovam que escravizados recebiam com frequência o mesmo sobrenome de seus escravizadores.

A cópia digitalizada desta certidão de óbito recebeu uma etiqueta no canto superior pelo cartório de registro civil do Rio de Janeiro. Intitulei este trabalho com as palavras nela inseridas: “Página(s) Manchada(s)”. A cópia do único documento oficial sobre a existência de Capitulino também vem carimbada com os dizeres: “sem valor legal”, mas este documento tem inestimável valor moral ao atestar que a história de minha família carrega páginas manchadas com o nome de escravizadores.

 

Atestado de óbito. "Brasil, Rio de Janeiro, Registro Civil, 1829-2012", , FamilySearch (https://www.familysearch.org/ark:/61903/1:1:6VFX-7M79 : Wed Oct 30 00:58:12 UTC 2024), Entry for Capitulino Vieira dos Santos, 12 Jan 1949.


Complete english version of the text


Stained Pages

A black man appears in two photographs from my family archives. I was told his name was Capitulino. After searching official archives I located a single document about this man: his death certificate.

The certificate revealed that in 1949, Capitulino was buried by members of my family in the city of Rio de Janeiro at the unimaginable advanced age of 115 years old.

In this installation I present the two photographs that exist of this man in my family archive. The combination of the two photographs exposes unpronounceable discourses I was told by members of my family: in one breath i was told Capitulino had been taken cared for by the family until the end of his life; and in the next, that he was enslaved by them.

The fragmented images combined with excerpts from the death certificate represent the mechanism of compartmentalization used throughout history. Historical facts become conveniently ignored and intertwined bewtween unknown parts of history, idealized stories, and historical facts in order to construct a family’s lore.

The death certificate reveals this man's full name - Capitulino Vieira dos Santos. He therefore carried my family surname. Historical records attest that enslaved people often received the same surname as their enslavers.

The digitized copy of this death certificate was tagged by the civil register’s office with the words “stained pages” on upper corner. This is the titled of this work. The only official document found about the existence of Capitulino is also stamped by the register’s office with the words: “without legal value”. But this document has inestimable moral value in attesting that the history of a family carries pages stained with the name of enslavers.